16 May 2014

Equilíbrio


Sou agora um homem diferente. Parece-me que vejo o Universo, com o único olho que me resta, sob um ângulo diverso. Já não vejo o que é feio e sórdido, mas só o que é belo, doce e puro. Até os homens e as mulheres que me rodeiam não me parecem os mesmos que eram dantes. Por uma curiosa ilusão de óptica, não os vejo tais como são, mas como deveriam ser, tais como teriam querido ser, se houvessem podido. Ainda posso ver, com o meu olho cego, boa quantidade de imbecis pavonearem-se à minha roda; mas já não me irritam os nervos como outrora; o seu palavrório deixa-me indiferente; deixá-los falar. Por agora não posso ir mais longe; temo que, para chegar a amar os meus semelhantes, me seja necessário perder o outro olho também. Não posso perdoar-lhes a sua crueldade com os animais. Penso que se opera no meu cérebro uma espécie de evolução retrospectiva que me afasta cada vez mais dos outros homens e me acerca cada vez mais da Madre Natureza e dos animais.

Axel Munthe, in O Livro de San Michele
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