Sou agora um homem diferente. Parece-me que vejo o Universo, com o único
olho que me resta, sob um ângulo diverso. Já não vejo o que é feio e
sórdido, mas só o que é belo, doce e puro. Até os homens e as mulheres
que me rodeiam não me parecem os mesmos que eram dantes. Por uma curiosa
ilusão de óptica, não os vejo tais como são, mas como deveriam ser,
tais como teriam querido ser, se houvessem podido. Ainda posso ver, com o
meu olho cego, boa quantidade de imbecis pavonearem-se à minha roda;
mas já não me irritam os nervos como outrora; o seu palavrório deixa-me
indiferente; deixá-los falar. Por agora não posso ir mais longe; temo
que, para chegar a amar os meus semelhantes, me seja necessário perder o
outro olho também. Não posso perdoar-lhes a sua crueldade com os
animais. Penso que se opera no meu cérebro uma espécie de evolução
retrospectiva que me afasta cada vez mais dos outros homens e me acerca
cada vez mais da Madre Natureza e dos animais.
Axel Munthe, in O Livro de San Michele