A única coisa perfeita que existe é a Natureza; a única coisa verdadeiramente harmoniosa é a forma como a Natureza ordenou as coisas e os seres; a única coisa verdadeiramente bela é a Ordem com que a Natureza se rege. Ao contemplar a Natureza, fico sempre deslumbrado, inebriado, e nunca me canso de exaltar a sua beleza, a sua harmonia, a sua perfeição. Por isso respeito religiosamente a Ordem por que se rege o mundo natural.
Não se trata de uma ordem fixada por uma
qualquer divindade ou demiurgo, mas sim de uma ordenação que resulta da
evolução da matéria ao longo de milhares de milhões de anos. Sim, essa
matéria de que é feito tudo o que existe, incluindo os próprios seres
humanos. Nessa Ordem tudo está meticulosamente organizado e nada foi
deixado ao acaso. No mundo natural faz-se tudo o que é necessário fazer e
nada se improvisa. A sua harmonia deve-se afinal a um sentido, a uma
estratégia, que preside a esse movimento evolutivo. Na terra, como no
universo, a evolução da matéria faz-se sempre no sentido da perfeição
(complexidade). A matéria evolui sempre para níveis cada vez mais
complexos de organização. A vida, tal como existe neste minúsculo ponto
perdido nas imensidões cósmicas, é, desde as primeiras moléculas de
aminoácidos até hoje, o resultado dessa evolução, ou melhor, corresponde
a uma fase dessa evolução. O ser humano é a expressão mais avançada
(complexa) de organização da matéria. O grau mais complexo (perfeito) de
organização da matéria que se conhece em todo o Universo está no
cérebro humano. Em nenhum outro ponto do cosmos a matéria atingiu - que
se saiba - um nível tão perfeito, tão harmonioso, tão complexo de
organização como na cabeça do ser humano.
No mundo
natural, a evolução dos seres vivos faz-se de acordo com estratégias
específicas de sobrevivência, visando a continuação das espécies através
da reprodução dos seus espécimes. As regras terríveis da seleção
natural existem para, eliminando os espécimes mais fracos, fortalecer
cada espécie. Como demonstrou Charles Darwin, a vida é a luta pela vida.
A sobrevivência de cada ser vivo, como de cada espécie, impõe métodos
que, por vezes, nos impressionavam pela sua aparente crueldade.
O
astrofísico Hubert Reeves escreveu, em "Um pouco mais de azul" (livro
cujo título homenageia Mário de Sá Carneiro), um texto maravilhoso que
cito de memória: uma mulher belíssima está deitada na cama com o corpo
nu envolvido parcialmente por lençóis de cetim branco. A janela meio
aberta deixa entrar uma brisa ligeira que agita levemente as cortinas. A
um canto, um disco esquecido solta os acordes maravilhosos de uma
sinfonia de Mozart. Uma luz difusa inunda suavemente todo aquele
ambiente de paz e de tranquilidade. O rosto da mulher é a imagem do amor
e da felicidade. Porém, dentro dela, no interior do seu corpo, alheios a
tudo isso, mais de 200 milhões de seres lutam desesperadamente pela
sobrevivência que só um poderá alcançar. Ela acabara de fazer amor.
[...]A. Marinho e Pinto