Para viver deixo que me partam ao meio. Não me vejo de outra forma. Se
tal me for impossível, se a vida estiver de tal forma feliz,
destrui-la-ei sozinha. Amargarei os pensamentos, porei em causa o meu
valor. Para viver intensamente serei ácida, inconstante, cáustica,
dilacerante. Não quero o mundo de outra maneira. Para viver dissiparei,
querendo ou não no fundo, todas as hipóteses de ter paz. A vida não pode
ser mais ou menos porque eu não sou. Assim voarei a pique até ao mar
para ir buscar o peixe que melhor se esconde nas profundezas da
segurança, na escuridão do silêncio, e trá-lo-ei até à minha superfície,
para que ele conheça a luz, o desassossego. Para que saiba o que é isto
da “vida” roçarei a morte, já que sempre a imagino, e serei a primeira a
lançar a pedra mesmo sendo reconhecendo-me errante. Para viver fugirei
desde cedo à polícia numa lambreta, beberei antes de conduzir, ignorarei
todos os avisos, passearei em propriedades privadas para uma bela tarde
de coração aos saltos. Mais que isso tudo, comprarei bilhetes só de ida
no dia em que estiver mais completa onde estou. Amarei um só homem.
Deixarei que me partam ao meio, deixarei. Que o meu coração se desmanche
pois não há outra forma de saber como é, como funciona, se não for
aberto.
Lorina Ventura