3 March 2015

Para viver deixo que me partam ao meio. Não me vejo de outra forma. Se tal me for impossível, se a vida estiver de tal forma feliz, destrui-la-ei sozinha. Amargarei os pensamentos, porei em causa o meu valor. Para viver intensamente serei ácida, inconstante, cáustica, dilacerante. Não quero o mundo de outra maneira. Para viver dissiparei, querendo ou não no fundo, todas as hipóteses de ter paz. A vida não pode ser mais ou menos porque eu não sou. Assim voarei a pique até ao mar para ir buscar o peixe que melhor se esconde nas profundezas da segurança, na escuridão do silêncio, e trá-lo-ei até à minha superfície, para que ele conheça a luz, o desassossego. Para que saiba o que é isto da “vida” roçarei a morte, já que sempre a imagino, e serei a primeira a lançar a pedra mesmo sendo reconhecendo-me errante. Para viver fugirei desde cedo à polícia numa lambreta, beberei antes de conduzir, ignorarei todos os avisos, passearei em propriedades privadas para uma bela tarde de coração aos saltos. Mais que isso tudo, comprarei bilhetes só de ida no dia em que estiver mais completa onde estou. Amarei um só homem. Deixarei que me partam ao meio, deixarei. Que o meu coração se desmanche pois não há outra forma de saber como é, como funciona, se não for aberto.

Lorina Ventura
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...