11 June 2015

Do Amor

O amor dos outros parece sempre um mistério. Olha-se para as pessoas esquecidas aos beijos em esquinas ou perdidas uma na outra num transporte público e não se entende nem o segredo que descobriram, nem o segredo que perdemos. Depois de se ter tido o amor é ainda mais estranho havê-lo perdido. Olha-se para esses casais  a saber que já se viveu aquilo que agora não se entende, aquilo que agora parece impossível.
Tudo o que envolve o amor a dois parece uma memória longínqua, uma fábula, um sonho e uma tolice. Parece irreal que se dê o encontro, que se chegue até outro ou que outro chegue até nós, à fortificação do centro de nós. Há até quem brade aos céus que isso do amor não é preciso para nada, que ser sozinho é que é o caminho. Costumam ser esses os primeiros a cair. Um dia volta tudo como um arrepio da cabeça aos pés, mas novo. Volta o amor. Ao início dá medo, principalmente quando se conquistou o castelo da auto-suficiência. Medo de dar, de não saber receber, de perder, de não merecer, passa-se pelas casas todas e o amor ri à passagem por elas, porque não há nada maior que o amor, nada que lhe possa fazer frente.
Até que se percebe que a única hipótese é abandonar-nos ao amor, despir os vícios e as estratégias, deitar fora as armas que ganhámos a viver para aceitá-lo, recebê-lo como a dádiva que é a sua existência e agradecer o milagre do encontro com o outro, com o deus no outro, com o eu no outro.
A vida, que é sempre curta para os livros por ler, os filmes por ver, os países por visitar, fica enorme à face do amor, fica cheia da própria substância da vida, ou com essa substância incendiada, e todas as cores acesas gritam amor nas coisas todas.
A biografia futura será composta pelos livros escritos e pelos filmes feitos, e a linha curta que escrever nela o amor não lhe fará justiça. O amor é que foi a coisa maior de todas, a única coisa, o éter da existência. Amor, ámen.

Sónia Balacó in EDIT
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