10 March 2014

Ode à Pateira III


Tenho sempre a ligeira sensação de querer partir.
Não digo que seja para sempre, nem para um lugar específico. Só querer sentir o tédio de chegar a algum lado e querer voltar, olhar para mim numa paisagem diferente em que a podridão alheia tem outro cheiro, um cheiro mais agudo por não ter o filtro do conforto que a casa me dá. Mesmo, eu, em toda a minha existência, nunca ter sabido qual era o meu lugar, se o canto da minha casa de nascença, se o peito onde consegui descansar um dia.
De resto tropeço em muitas situações que me causo só para me sentir mais viva. Faço tantas vezes a mala que nunca mais a tirei de frente da cama, é um hábito, e olhando para ela contorno a felicidade por não lhe saber a meta. Quanto mais longe mais perto, quanto mais perto mais longe do obstáculo.
Criar um caminho infinito, matar aos poucos a ideia da vida que pensei que teria e cada vez aproximar-me da plena desolação de não ter destino. Aumento o cansaço e mutilo o corpo, os membros desencaixam do sítio mas não afrouxam nem morrem sem nunca se terem partido.
É um prazer. E depois do amor, é o prazer que nos torna amáveis.
Quero ficar, eu quero ficar, e por querer ficar muito é que parto tanto. Se me deres a mão e me disseres que vens para me calcar o sonho sou capaz de permanecer entre os teus braços.
Diz-se que o Homem sozinho é um Homem mais puro, concordo desconcordando. Ninguém é puro se o Amor não for real, se a mão que nos puxa não for para o centro da Terra contrariamente ao sentimento de liberdade que só existe se um dia já fomos presos.
Ir.
Sair do lugar para querer voltar ao peito que nos acolhe enquanto dormimos. E quando partir outra vez, talvez parta contigo, porque sei que se voltar, volto desapegada da viagem, só por me teres a mão.

Sara da Costa Oliveira
 

Ode à Pateira I e II, aqui e aqui.

P.S. A lente da máquina estava incrivelmente suja.

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